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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PARA UMA PEDAGOGIA ESPÍRITA (Capítulo 3))

Tese aprovada pelo III Congresso Educacional Espírita Paulista, realizado em São Paulo de 23 a 26 de julho de 1970.

I. Necessidade e Razões

A necessidade de uma Pedagogia Espírita é determinada por duas ordens causais: a Histórica e a Consciencial, como veremos:

1. Histórica - A Pedagogia é um processo histórico de reflexão sobre a Educação para elaboração de sistemas educacionais cada vez mais consentâneos com as exigências da evolução humana. Por isso, em cada fase histórica aparecem novas formas de interpretação do ato educativo e novos métodos para a sua efetivação.

A Educação é um fato natural, função orgânica de todas as estruturas sociais. Kerchensteiner a define como: "Ato imanente e necessário de todas as sociedades humanas." Precede a Pedagogia, existindo naturalmente nos grupos humanos mais primitivos. Mas na proporção em que esses grupos evoluem o desenvolvimento mental dos indivíduos gera a reflexão sobre a maneira melhor de realizá-do. Dessa reflexão, exigência ao mesmo tempo histórica e consciencial, surge e se desencadeia o processo pedagógico. A Pedagogia é assim a Educação pensada, compreendida e aplicada segundo critérios racionais.

A reflexão pedagógica não é um fato isolado, mas integrado na reflexão geral sobre o mundo e a vida. Para pensar na Educação o homem teve primeiro de pensar no mundo, na vida e em si mesmo. Temos assim um encadeamento histórico mais amplo: a necessidade da Pedagogia resulta da necessidade da cosmovisão, que melhor traduziriamos por mundividência. Essa a razão porque toda Pedagogia é o resultado necessário de uma Filosofia, de uma concepção geral do mundo, do homem e da vida.

O Espiritismo é um sistema conceptual, uma nova concepção geral e portanto uma nova Filosofia que, por isso mesmo, exige uma nova Filosofia que por isso mesmo, exige uma nova Moral e uma nova Pedagogia. Se concebemos o Todo como espíritas somos naturamente levados a viver nele como espíritas, adotando as normas morais correspondentes à Doutrina. Mas não somos criaturas isoladas e não queremos a vida somente para nós. Temos filhos, descendência e queremos transmitir a esta a nossa forma de vida. Essa transmissão se faz pela Educação, que em nosso grau de evolução não pode dispensar o tipo de Pedagogia correspondente. Daí a necessidade histórica da Pedagogia Espírita.

2 - Consciencial - Se no plano fenomênico a Educação é uma exigência vital das estruturas sociais, no plano espiritual (ou númico) é uma exigência da consciência. René Hubert a define assim:: "A Educação é uma ação exercida por um Espírito sobre outro." E acrescenta: " É um apelo que o Espírito já situado nas esferas superiores da existência dirige a outro que mais ou menos confusamente aspira a chegar até lá."

Esse apelo, que para Kerchensteiner é "um ato de amor", Kant o definia como um convite ao Ser para desenvolver "toda a sua perfectibilidade possível". As razões da Pedagogia Espírita estão precisamente nessa compreensão do sentido da Educação. A finalidade do processo educativo não é integrar o indívíduo numa sociedade, numa cultura, numa época, mas levá-lo à plena realização das suas possibilidades de perfeição nesta existência.

O Espiritismo é a doutrina da Educação por excelência. Essa doutrina não se contenta com a formação do cidadão, do gentil-homem, do erudito. Ela nos abreas pespectivas do infinito e pretende, como queria Pestalozzi, fazer de cada criatura um espírito universal, preparando-o para a eternidade. Só uma Pedagogia Espírita pode alcançar desses fins da Educação, pois só ela pode fundar-se numa Filosofia Geral que representa de maneira completa a realidade do Mundo, da Vida e do Ser.

Por essas razões a Educação Espírita tem necessáriamente de ser orientada por uma Pedagogia Espírita.


II. Natureza e Sentido

1. Natureza

A natureza de uma Pedagogia, determinada´pela sua essência, pelos princípios fundamentais que a informam, decorre sempre da Filosofia Geral, explícita, que a originou. A Pedagogia Espírita é a consequência natural e necessária da Filosofia Espírita exposta em "O Livro dos Espíritos" e portanto explícita em sua formulação doutrinária. Nessa Filosofia se encontra implícita a Pedagogia que teremos agora de desenvolver, em função do próprio sistema escolar espírita que já é uma realidade social e cultural concreta.

No livro básico a Educação figura como o instrumento eficaz de transformação do Mundo, objetivo essencial do Espiritismo. O Mundo em causa não é o planeta em seu aspecto físico, mas o mundo humano, a intrincada rede de relações sócio-culturais em que vivemos em nossas existências terrenas. E é por isso que a Educação se apresenta, como já ocorrera a Sócrates e Platão, como o elemento ativo da transformação. O Mundo é o reflexo do Homem e só a Educação pode transformar o Homem.

O Espiritismo é uma doutrina ética. Seus objetivos morais superam os limites da moralidade terrena, projetando-se no plano ético do Espírito. Assim, a Pedagogia Espírita, que deve ser a teoria geral da Educação Espírita, é de natureza ética. Todos os seus princípios devem convergir para a finalidade doutrinária de transformar o Homem num ser moral capaz de construir um Mundo Moral na Terra.

2. Sentido

A Pedagogia Espírita, como vimos pela sua natureza, busca a integração humana em suas potencialidades totais. Seu objetivo é o desenvolvimento do homem integral. O seu sentido, portanto - em termos de orientação - é humanista. Por isso ala se insere não apenas historicamente, mas também eticamente, na sequência natural da evolução pedagógica, em prosseguimento ao humanismo reusseauniano e mais proximamente ao humanismo da Pedagogia Filantrópica de Pestalozzi. Mas assim como o Pestalozzi o humanismo de Rousseau se definiu em atividade prática, baixando do olimpo teórico à realidade terrana, assim na Pedagogia Espírita o filantropismo ingênuo de Pestalozzi deverá concretizar-se em normas de formação moral positiva do Homem.

Porque é mais amplo o sentido ético da Pedagogia Espírita, em relação com o das escolas pedagógicas que a precederam? Porque a Pedagogia Espírita se funda numa visão teórico-prática do Universo e do Homem que não se restringe ao plano fenomênico, não se fecha nos estreitos limites do existencial mas se abre nas perspectivas da dialética pluriexistencial. E também porque a teoria das existências sucessivas se confirma objetivamente na experiência científica, na realidade comprovada da lei natural da reencarnação.

Encarada dessa maneira, a Pedagogia Espírita é simplismente a especificação pedagógica do processo universal da palingenesia, que abrange todas as formas de metamorfose dos seres no Universo. Assim, a Educação Espírita não é um sistema restrito de escolaridade efêmera, mas a conscientização no homem de todo o vasto e complexo processo de evolução que abrange o Universo.


III. Implicações Pedagógicas
Podemos considerar as implicações pedagógicas da Doutrina Espírita em duas ordens: a Geral e a Particular.

1. Ordem Geral - O Espiritismo se apreneta na ordem geral das concepções humanas como o último elo da cadeia de sistemas educacionais da evolução terrena. Essa cadeia se constitui dos sistemas religiosos e filosóficos que educaram o homemna Terra, desde os primórdios do planeta até os nossos dias. Cada Religião e cada Filosofia tem uma função precisa e evidente: educar o Homem, arrancando-o do domínio dos instintos para elevá-lo plano superior da razão. É no Espiritismo que esse processo múltiplo se completa e se unifica. As Religiões e Filosofias anteriores procediam pelo ´método dedutivo-coercitivo, impondo à natureza humana em desenvolvimento os freios da autoridade e do dogma. O Espiritismo recebe o Homem já domesticado e educado pelos sistemas anteriores, com sua razão desenvolvida e aguçada, para lhe oferecer a oportunidade da educação autógena através da compreensão racional da vida. É o mesmo problema da escola antiga com seus métodos didáticos coercitivos substituída pela escola moderna com sua liberdade estimuladora da responsabilidade pessoal.

2. Ordem Particular - Na ordemm particular da Pedagogia a Doutrina Espírita revela implicações renovadoras. O educando não é mais apenas uma consciência imatura que atende ao chamado de uma consciência madura, não é apenas um ser com potencialidades perfectíveis limitadas pela condição humana na Terra. O educando, perante a Doutrina Espírita, é o pro-jeto da concepções existenciais contemporâneas, mas um pro-jeto que não se frustra na morte, como pretende Sartre, nem apenas se completa na morte, como pretende Heidegger.

O educando, à luz da Doutrina Espírita, é a alma viajora de Plotino que se projeta na matéria como a semente no solo, para voltar enriquecida pela experiência ao mundo espiritual. Assim, o processo educacional espírita deve sintetizar a técnica socrática da maiêutica, a teoria platônica da reminiscência, a tese geleyana da evolução psico-dinâmica e sua corolárias mais recentes na problemática espírita da reencarnação. As implicações pedagógicas da Doutrina Espírita exigem uma Pedagogia realista no campo da realidade palingenésica. Essa Pedagogia deve apoiar-se em técnicas e métodos desenvolvidos na experiência educacional à luz dos princípios doutrinários do Espiritismo.

O esforço que nos cabe neste momento é no sentido de esclarecer as implicações referidas e ordená-las para a formulação dos princípios e métodos ativos da Pedagogia Espírita.

IV. O Problema Educacional
Como equacionar o problema da Educação Espírita em termos práticos e objetivos? Temos dois caminhos a seguir:

1. Doutrinário - É o caminho do levantamento teórico dos princípios educacionais da Codificação. Sua importância é fundamental. A Codificação nos oferece as linhas gerais da Pedagogia Espírita no plano teórico e valiosas contribuições experimentais, mormente no campo da investigação psíquica. "O Livro dos Espíritos" é a fonte principal da orientação teórica, mas não deixa de oferecer elementos práticos-experimentais como no caso da Escala Espírita, que é um veio precioso de informações psicológicas aplicáveis ao espírito encarnado.

2. Experimental - A fonte prática é mais vasta, abrangendo incialmente "O Livro dos Médiuns" e a seguir todo o vasto arcevo de pesquisas e experiências de Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. A esse arcevo devemos acrescentar as contribuições de pesquisas e experiências dos sucessores de Kardec no plano científico , livros altamente significativos como "A Personalidade Humana" de Frederic Myers e assim por diante. Além disso devemos levar em conta as experiências educacionais do sistema de ensino espírita em desenvolvimento e realizar novas pesquisas para atualização e enriquecimeto do nosso processo educacional.


V. Contribuições Gerais
Pedagogia Geral - A Pedagogia Geral oferece numerosas contribuições que não podemos negligenciar. Para elaboração da Pedagogia Espírita não seria possível esquecermos o trabalho imenso dos que vêm construindo teorias e métodos com base no estudo, na observação e na pesquisa do campo educacional em todo o mundo. A Pedagogia Espírita não pode ser uma espécie de novidade absoluta no campo pedagógico. Já vimos que ela se liga historicamente ao processo geral do desenvolvimento da Educação. O próprio Kardec pretendia escrever uma Pedagogia Geral, com discípulo e continuador de Pestalozzi, que infelizmente não teve tempo de elaborar. Cabe-nos agora enfrentar a tarefa que o mestre deixou por fazer, tanto mais que a realizou em parte na própria Codificação .

Técnicas Pedagógicas - Existem algumas tentativas de elaboração de técnicas pedagógicas espíritas em escolas atuais. Podemos citar como exemplo o grande e belo trabalho desenvolvido pelo Prof. Ney Lobo no Instituto Lins de Vasconcellos, em Curitiba. As técnicas de Maria Montessori são bastantes sugestivas e se ligam por muitos aspectos aos princípios e às aspirações da Pedagogia Espírita. Todos esses elementos terão de ser examinados e aproveitados na medida do conveniente.

Currículos - Os currículos escolares exigem também um esforço de adaptação aos fins da Pedagogia Espírita. Apesar dos obstátulos diversos, inclusive os oficiais, há muito que fazer nesse sentido. A aplicação de um sistema de aulas sincréticas, nos moldes do chamado ensino integrado, no Ginásio do Instituto Espírita de Educação, em São Paulo, revelou-se bastante fecundo, dando maior flexibilidade ao currículo oficial e aproximando-o dos objetivos espíritas. Outras experiências nesse sentido abrirão novas pespectivas.

Laicidade - Como encarar o problema da laicidade e da democratização do ensino na Pedagogia Espírita? A laicidade surgiu historicamente como exigência de uma época de predomínio das religiões dogmáticas e coercitivas na Educação. A Pedagogia Espírita supera naturalmente esse problema, pois o Espiritismo é uma doutrina aberta e livre. Assim, a democratização do ensino de apresenta como elemento integrante da própria Pedagogia Espírita. Não há nem pode haver, nessa Pedagogia, nenhuma intenção sectária ou salvacionista de tipo restrito. A Pedagogia Espírita não tem por objetivo moldar o educando, mas ajudá-lo a desenvolver suas potencialidades e realizar livremente a sua perfectibilidade.


VI. Roteiro de Estudos
Podemos esquematizar assim um roteiro de estudos e pesquisas para elaboração de uma Pedagogia Espírita:

1. O Educando - O objeto da Educação é o educando. Na Educação Espírita ele não se apresenta apenas como o educando das concepções comuns. Antes de tudo, ele é um reencarnado. Por isso, além dos estudos biológicos e psicológicos comuns temos de submetê-lo a estudos parapsicológicos e espíritas. Sem conhecermos o educando à luz do Espiritismo não podemos proporcionar-lhe a Educação Espírita. Suas percepções extra-sensoriais, suas faculdades e sensibilidades mediúnicas, suas orientações conscienciais provindas do passado são elementos importantes para o seu reajustamento psicológico na presente existência e sua reorientação educativa. Daí a necessidade de estudos para elaboração da Psicologia Evolutiva Espírita, abrangendo a criança e o adolescente. Essa Psicologia já tem suas bases na Doutrina Espírita, mas encontra, agora, o amparo científico e as contribuições experimentais da Parapsicologia.

2. O Educador - O ato educativo é sempre, como assinalou Kerchensteiner, uma relação de consciências. Se o educando é o objeto da Educação, o educador é instrumento ativo de que a Educação se serve para atingi-lo. Impõe-se o estudo das condições necessárias do educador espírita numa conjugação das contribuições profanas com os elementos doutrinários. Os estudos e os cursos de formação de professores devem ser acrescidos com as contribuições da Doutrina Espírita e com os estudos de relações interpessoais realizados no campo da Parapsicologia.

3. Teoria - A Teoria Geral da Educação Espírita exige o conhecimento prévio da natureza palingenésica do educando e do educador. Seus fundamentos científicos devem ser ampliados com os dados da Ciência Espírita e da Parapsicologia.

Seus fundamentos filosóficos, acrescidos com os elementos da Filosofia Espírita. Desses acréscimos com os elementos da Filosofia Espírita da Educação, também implícita na própria Doutrina Espírita mas exigindo elaboração específica. As aplicações pedagógicas são uma consequência natural do próprio desenvolvimento dos estudos e das pesquisas. Os métodos e as técnicas integram o contexto da Pedagogia Espírita. Os problemas institucionais, referentes à instalação e funcionamento de escolas e institutos estudos e pesquisas também pertencem à teoria geral. Como se vê, é todo um campo novo de atividades que se abre no plano doutrinário, exigindo abnegação e aprimoramento dos que a ele se dedicarem.

4. Expansão - O problema da Pedagogia Espírita - que nos é impostono momento por força das próprias circunstâncias - mostra-nos que o Espiritismo se encontra numa fase de expansão doutrinária. Mas essa expansão nada tem a ver com as inovações que alguns pretendem, engabosamente, introduz da Doutrina. Este é o processo de desenvolvimento do Espiritismo a que aludia Kardec. Desde que ele representa uma nova concepção do Mundo, do Homem e da Vidfa, e que, segundo a própria expressão do Codificador, toca em todos os ramos das Ciências, é evidente que irá exigindo aplicações diversas dos seus princípios em todo o campo do Conhecimento. O primeiro exemplo disso nos foi dado pelo próprio Kardec na elaboração do livros da Codificação: a partir dos fundamentos de O Livro dos Espíritos ele elaborou os demais volumes, que são simples desenvolvimentos do livro básico. Há muito ainda a fazer, mas sempre com base na Doutrina Espírita codificada, matriz e origem de um novo Mundo, de uma nova Civilização que se abre ante os nossos olhos.

Segundo os grandes teóricos da Educação é esse o objetivo supremo de todo o processo educacional. Veja-se a perfectibilidade de Kant, o problema da natureza humana em Rousseau, a tese do destino eterno do homem em Pestalozzi, a da solidariedade das consciências para a realização da República dos Espíritos em René Hubert e assim por diante. Dessa maneira, a natureza da Pedagogia Espírita é a mesma da Pedagogia Geral, mas num sentido mais amplo.

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