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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

ESCOLAS DE ESPIRITISMO (Capítulo 4)

Tese aprovada pelo IV Congresso de Jornalistas e Escritores Espíritas realizado em Curitiba, Paraná, de 15 a 18 de fevereiro de 1968.


Introdução
A Educação Espírita pode ser encarada sob dois aspectos: a Educação Geral. que trata de formação das gerações espíritas na cultura mundana ou na mundanidade, segundo o conceito heideggeriano, e portanto sem nenhum sentido pejorativo; e a Educação Espírita propriamente dita, segundo o conceito kardeciano da psicologia evolutiva palingenésica. Ambas se completam reciprocamente na tendência comum da formação moral do educando . Não há, portanto, entre elas, nenhum conflito essencial, mas é evidente que há uma discrepância formal que a Pedagogia Espírita terá de superar, aproveitando-se das possibilidade dialéticas implícitas no sentido comum psico-evolutivo e no objetivo moral comum.

Essa susperação se torna mais fácil quando a própria Pedagogia Geral se abre atualmente em várias perspectivas espíritas, da qual a mais importantes é a do relativismo-crítico néo-kantiano que se define nas escolas alemã de Kaechensteiner e francesa de René Hubert, com o declarado objetivo da comunhão de consciências para o advento da República dos Espíritas. Toda a Filosofia hubertiana e toda a sua Pedagogia concorrem poderosamente para o encontro e a fusão dos príncípios educacionais comuns com os princípios espíritas. Releva considerar, por outro lado que a tradião educacional espírita radica em Rosseau, que é ao mesmo tempo a origem de toda a Pedagogia Moderna e uma das mais fortes raízes filosóficas do Espiritismo através de Pestalozzi, mestre de Kardec. Significativo, ainda, o fato das relaç~poes culturais genéticas entre Rosseau e Kant, reafirmando a comunidade de origem, sentido e objetivo das duas correntes de pensamento mencionadas.

A Escola Espírita, e portanto a Pedagogia Espírita, não aparecem no processo de devenvolvimento das teorias pedagógicas de maneira estranha mas numa sequência histórica natural, infelizmente ainda não bastante estudada. Cabe aos pedagogos e professores espíritas aprofundarem as pesquisas e ampliarem as demonstrações de respeito. A maneira da Escola Cristã, que nasceu do conflito formal com a chamada Escola Pagã. mas tinha nela mesma as suas raízes históricas, o que Hubert, Jaeger, Marrou e outros esclarecem suficientemente, as relações entre a Pedagogia Geral do nosso tempo e a Pedagogia Espírita constituem em fato cultural-histórico da mais alta importância para o momento de transição que vivemos nesta civilização em mudança.

Mas se as discrepâncias formais entre Paganismo e o Cristianismo eram mais acentuadas e exigiram a separação conflitiva das duas Escolas, as discrepâncias formais entre a Mundanidade e o Espiritismo são hoje bastante atenuadas pelo desenvolvimento do Humanismo, que é a forma de Cristianismo herético dominante no Mundo. Não obstante, o simples fato de existir na consciência cristã comtemporânea esse sentido herético revela a presença de resíduos pagãos em nossa cultura exigindo da Pedagogia Espírita um esforço específico para a formação educacional espírita nos dois aspectos mencionados acima.

O primeiro que é o da Educação Geral, resolve-se com a criação do sistema educacional espírita, já em desenvolvimento, desde que seguido da orientação teórica necessária, que é tarefa dos pedagogos espíritas. O segundo, que é o Educação Espírita propriamente dita, exige a criação de um sistema educacional específico. Essa exigência é tanto maior quanto as nossas deficiências culturais se acentuam precisamente no plano filosófico, dificultando a compreensão do Espiritosmo como uma concepção de vida que se assenta numa forma superior mundivideência.

Por outro lado, a extensão e a complexidade da Doutrina, com suas múltiplas consequências em todas as direções culturais e vivenciais, portanto práticas ou morais, exigem também uma possibilidade permanente de aprofundamento dos seus conceitos e pr´ncípios, o que só será possivel com a criação das Escolas de Espiritismo de nível superior, de tipo universitário, abrindo perspectivas para o estudo e a pesquisa. Não se trata propriamente da pesquisa fenomênica, que também se desenvolverá, mas principalmente de pesquisa doutrinária, com o aprofundamento do exame e da compreensão da Doutrina Espírita.

2. As Escolas de Espiritismo
A criação das Escolas de Espiritismo exige, logo de ínicio, uma reformulação de nossas atitudes no campo doutrinário, que aparecerá perigosa à primeira vista, mas que uma análise ponderada nos mostrará ser necessária e benéfica: trata-se não apenas do problema da gratuidade, mas também de outros, sem a revisão dos quais será impossível a criação das Escolas de Espiritismo. Temos de encarar o problema do ensino espírita em si, com todas as imperfeições decorrentes de uma interpretação puramente cultural humana. As Escolas Espíritas exigem professores de Espiritismo, graus espíritas de ensino, diplonas de aprendizado espírita.

É evidente que todas essas exigências se chocam com as atitudes simplistas que até hoje assumimos, embora necessariamente, dadas as condições espontâneas da propagação da Doutrina, em sua fase de penetração no Mundo. Já agora, porém, seria grandemente prejudicial insistirmos em atitudes que não condizem com as exigências do próprio desenvolvimento doutrinário. O Espiritismo é um processo cultural e deve ser encarado como tal. Abrange todo o campo do conhecimento, toca em todos os ramos da Ciência, como acentuava Kardec, e representa mesmo aquele momento de Síntese do Conhecimento de que nos falaram Léon Denis e Sir Oliver Lodge.

Kadec assinalou que o aspecto religioso do Espiritismo é a consequência moral da Ciência Espírita e da Filosofia Espírita. Compreendemos hoje perfeitamente esse problema. Ora, não é possível confundirmos a exigência natural de gratuidade para as atividades religiosas com as condições especiais das atividades culturais. O próprio Kardec deu-nos o exemplo disso, estabelecendo a necessária diferença entre os dois campos. Para entregar-se às atividades de escritor e editor, no campo doutrinário sem as quais não teríamos a Doutrina Espírita - teve de aceitar os proventos de sua atividade cultural e material, enquanto nas atividades morais e religiosas dava o exemplo da mais absoluta abnegação.

Todas estas considerações tem por fim demonstrar que o diretor, os professores e os funcionários das Escolas de Espiritismo não podem nem devem funcionar de maneira gratuita, o que aliás já se verifica, por exemplo, no funcionamento dos Hospitais Espíritas e das próprias escolas de nascente sistema educacional espírita. Digno é o trabalhador do seu salário, e só se pode dispensá-lo quando se estiver meios próprios de renda. As Escolas de Espiritismo são como as Escolas de Filosofia, de Medicina, de Engenharia, com a única diferença de que não formam especialistas profissionais, mas preparam os alunos para a construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais humana. Isso não impede que também os prepare noutro sentido, para o exercício da profissão de professor, diretor ou funcionário dessas mesmas escolas, ou ainda de assistentes para os hospitais espíritas, orientadores de editoras espíritas, jornais, revistas e publicações espíritas várias, e assim por diante.

O campo de atividades espíritas aumentará na proporção em que melhor compreendemos a Doutrina e sua profunda significação na Vida mundana. Seríamos imprudente como as virgens da parábola, ou hipócritas como os fariseus formalistas, se não tratássemos de preparar, com o rigor exigido pelo desenvolviento cultural do século, os especialistas de que vão depender inevitavelmente as atividades espíritas no futuro, nesse futuro, aliás, que já está começando aos nossos olhos. Ou tratamos o Espiritismo a sério, dando-lhe por nós mesmos o lugar e o direito de cidadania que lhe cabem no mundo cutural; ou lhe negaremos, também nós, o que os adversários sempre lhe negaram, Esse o dilema com que nos defrontamos no momento.

3. Estrutura das Escolas de Espiritismo
As Escolas de Espiritismo devem ser organizadas como verdadeiras unidades do ensino superior, com todas as suas características. Poderão mesmo dividir-se, no seu desenvolvimento, em 'cursos especializados, como os das nossas atuais Faculdades de Filosofia. Inicialmente não será possível fazer-se mais do que o ensino global da Doutrina, com as diversas matérias curriculares determinadas pelas divisões e subdivisões dos chamados aspectos doutrinários. Não dispomos de condições para mais do que isso, mas é necessário começarmos assim e o quanto antes.

Os professores terão de ser forçosamente, obrigatoriamente, de nível universitário. Os alunos terão de apresentar certificados de conclusão do ensino secundário ou equivalente ou superior. As matérias e os processos de ensino terão tratamento universitário. Porque, sem essas condições, não seria possível dar ao ensino a eficiência necessária, nem fazer que as Escolas de Espiritismo atinjam o seu alto objetivo no plano cultural. O regime escolar terá todas as exigências do regime universitário, acrescidas ainda do mais absoluto rigor nas avaliações de aproveitamento, pois a finalidade do ensino não é utilitário no sentido comum, mas num sentido mais alto, referente à formação espiritual do homem.

Como não será possível a oficialização do ensino ou a sua subvenção, ele terá de ser pago. É da cobrança das taxas que sairá a renda necessária à manutenção da Escola e ao pagamento de diretores, professores e funcionários. Mas se houver pessoas capazes de compreender a importância dessas Escolas, e que disponham de recursos, poderão ajudar a sua manutenção e oferecer bolsas de estudos aos alunos que não possam pagar. As doações serão necessárias e tão meritórias como as que se fazem para hospitais e outras obras assistênciais.

Convém não esquecer que as Escolas Espíritas necessitarão de bibliotecas especializadas, com milhares de volumes de obras nacionais e estrangeiras, bibliotecários e auxiliares. Necessitarão de laboratórios diversos, na proporção em que se desenvolverem, com todo o pessoal exigido para o seu bom funcionamento. Necessitarão de aparelhos e instrumentos de pesquisa, de secretárias bem organizadas e fichários, enfim, de todos os recursos indispensáveis ao bom desenvolvimento dos seus cursos.

4. As Cadeiras Escolares
Os compêndios básicos de estudo são os livros da Codificação, mas secundados por todas as obras necessárias, espíritas ou não, relacionadas com o assunto especial de cada cadeira.
Por exemplo:
A Cadeira de Filosofia Espírita terá por compêndio básico O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, mas disporá também de toda a bibliografia doutrinária. A cadeira de Psicologia Espírita se firmará em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, mas necessitará da bibliografia metapsíquica, da parapsicológica e mesmo da psicológica. A cadeira de Sociologia Espírita abrangerá os livros básicos citados e mais a bibliografia sociológica geral. E assim por diante.

Os professores de cada cadeira terão de ser espíritas e formados em Universidades na matéria que vão lecionar. A primeira dificuldade está em que os professores não estudaram sistematicamente o aspecto espírita de suas respectivas matérias. Mas é evidente que o terão de fazer o que o fato de serem espíritas, de terem um conhecimento geral da Doutrina, muito lhes facilitará a tarefa. As Escolas de Espiritismo formarão aos poucos os seus próprios mestres, elevando em breve tempo o nosso conhecimento doutrinário, hoje difuso e individual, de tipo exclusivamente autodidata, ao plano superior do estudo sistematizado, da verdadeira formação universitária.

Somente assim poderemos superar o estágio inferior dos nossos conhecimentos, diante de uma doutrina que nos oferece infinitamente mais do que agora podemos alcançar. E isso é tanto mais necessário, quanto as pesquisas científicas e filosóficas estão avançando aceleradamente na direção dos nossos princípios. O conhecimento avança em bloco para descoberta do Espírito, e se não nos prepararmos convinientemente, não estaremos em condições de enfrentar os problemas que irão surgindo, e que na verdade já estão surgindo em nossas relações com a cultura geral. Nossa falta de preparo doutrinário poderá criar novos tipos de dificuldades e incompreensão.

O Espiritismo, como Kardec assinalou, tem a missão cultural de auxiliar a Ciência, a Filosofia e a Religião. Mas para cumprir essa missão é necessário que os Esíritas se tornem capazes de compreender profundamente a sua própria Doutrina. Só o estudo sistemático, em profundidade, através de metodos adotados adequados nos fara penetrar nos segredos que o Espiritismo ainda guarda para todos nós. Só a pesquisa metódica, orientada e perseverante nos levará a descobrir as diversas contribuições que o Espiritismo deu no passado, dá no presente edará no futuro ao desenvolvimento cultural do Mundo.

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